quarta-feira, 18 de novembro de 2009


Compromissos Iluminativos


A noite esplendia de belezas em razão do azul safira do zimbório adornado de estrelas parecidas a crisântemos luminosos. Uma brisa, levemente perfumada, perpassava, espraiando-se em todas as direções. O silêncio era entrecortado apenas pelas vozes onomatopaicas da Natureza convidando à oração, à reflexão.

Muito distante o globo terrestre, levemente banhado de luar, destacava-se na paisagem cósmica. Carinhosas recordações assomaram-me à mente, evocando cenas que ficaram no passado e que foram vivenciadas no planeta querido, inesquecível berço e lar de bilhões de Espíritos que o habitam.

Não me podendo evadir às emoções resultantes das evocações queridas, fui invadido por doce nostalgia em relação às experiências espirituais da mais recente reencarnação, quando fora beneficiado pelo sol abençoado do Espiritismo.

Aprendera com as formosas lições com que Allan Kardec abrira a Era do Espírito insertas na Codificação, a respeito do Universo, da Imortalidade, da Comunicabilidade dos Espíritos, da pluralidade dos mundos habitados, que a marcha do progresso é infinita e agora podia reflexionar sobre o acerto dessas incomparáveis informações de sabor eterno, vivenciando-as com dúlcidas gratidões.

Enquanto no corpo deixara-me conduzir pela certeza das elucidações dos Imortais, procurando pautar a conduta nas rigorosas diretrizes do dever, descobrindo, a partir de então, a alegria existencial e a felicidade relativa que todos podemos fruir quando nos comprometemos com os ideais de libertação da ignorância e de construção do bem no mundo íntimo e à nossa volta.

Agora, mais uma vez, podia constatar de viso, na realidade espiritual, o alto significado da fé racional proposta pelo Espiritismo, e a legitimidade dos seus postulados iluminativos, contemplando o Cosmo e experimentando o contato mais direto com a Vida.

Ante os meus olhos úmidos de lágrimas, que não se encorajavam a descer, sentia o hálito do Criador, e Sua grandiosa Obra me fascinava, alargando-me os horizontes das conjecturas.

Pensava a respeito de quanto a soberba humana é desmedida, raiando pela infantilidade, ao atribuir toda a grandeza cósmica ao fruto espúrio do acaso, capaz de reunir todas as moléculas esparsas no universo, repentinamente expressando-se na glória galáctica. Ademais, considerava que, se todas essas micropartículas sempre existiram no caos, certamente haviam tido uma origem, a que o absurdo da vã cultura sem Deus oferecia existência própria e ilógica.

Há dias encontrava-me na Colônia Espiritual Redenção, de onde partem com muita freqüência Espíritos comprometidos com o progresso da Humanidade em reencarnações desafiadoras.*

A Comunidade é constituída por uma sociedade de mais de um milhão de habitantes desencarnados, e nela se desenvolvem cuidadosos programas para a iluminação de consciências, não faltando os departamentos de assistência e socorro àqueles que retornam extenuados e desnorteados pelas vicissitudes e pelos insucessos que se permitiram.

Daqui viajam com expectativas ricas de esperanças e projetos de edificações libertadoras milhares de Espíritos que aspiram à felicidade. No entanto, após o mergulho na névoa carnal, os antigos vícios e as más inclinações em predominância ainda, os arrastamentos para o mal, os choques com os adversários do pretérito, não poucas vezes alterando-lhes os programas e delineamentos, obrigam-nos a ceder aos impulsos inferiores, e como efeito logo tombam nas malhas dos próprios enredamentos perniciosos.

Outrossim, Organizações de benemerência e de caridade multiplicam-se pela cidade movimentada, com objetivo de ministrar cursos e lições aos futuros viajantes corporais, na convivência com os retornados em estado de sofrimento, que se lhes tornam verdadeiros exemplos de como não devem proceder.

Educandários avançados para pesquisas, que mais tarde se apresentarão no Globo terrestre, recebem estudiosos ávidos de conhecimentos, não apenas residentes, mas que também vêm realizar estágios de aprendizado e treinamento procedentes de outras Regiões.

Situada sobre um grande centro urbano, na Terra, onde se movimenta agitada população, Entidades nobres a fundaram poucos anos antes da independência do Brasil, objetivando, de início, acolher os lutadores idealistas pela libertação da Pátria, os abolicionistas, os republicanos, inspirando-os na conquista das metas que abraçavam, sem que extrapolassem nos métodos de que se deveriam utilizar.

Em conseqüência, graças à abnegação dos seus fundadores, entre os quais destacou-se a futura abadessa Joana Angélica de Jesus, que também seria mártir das lutas fratricidas, durante a independência do Brasil, na Bahia, desenvolvera-se com o apoio de iluminados heróis da fé e da caridade, que rumaram para a Terra oportunamente, contribuindo para torná-la menos inditosa, mais humanizada e melhor espiritualizada.

Entre os seus programas de libertação de consciências e de auto-iluminação, teve primazia o labor de unificar os religiosos de diversas tendências e escolas de fé que mourejavam no plano físico, de forma que os escravos, que traziam os seus cultos animistas e as suas raízes africanistas, pudessem contribuir em benefício das propostas cristãs e doutrinárias outras que vieram da Europa civilizada.

Certamente, disputas religiosas haviam estalado, muitas vezes, gerando conflitos lamentáveis e até sangrentos, decorrência natural da intolerância dos indivíduos, desde quando todas as religiões preconizam o amor e a fraternidade, o entendimento entre as criaturas e o avanço na direção de Deus.

Infelizmente ainda proliferam preconceitos, intransigência religiosa e o fanatismo entre as criaturas, que preferem a distância do seu próximo à amizade geradora de simpatia e de cordialidade, que promovem a fraternidade e estabelecem o bom entendimento. Constituem, porém, exceções que o tempo diluirá com a sua contribuição de eternidade, efeito próprio do processo de evolução dos Espíritos.

Por essa razão, antropólogos, psicólogos e teólogos se reuniam no Departamento dedicado às Religiões para estudar os melhores métodos de integração dos diferentes fiéis com as suas convicções na sociedade dominante, evitando-se choques e distúrbios infelizes, naqueles turbulentos dias do passado.

Ademais, no século XIX, enquanto se aguardava o surgimento do Espiritismo, cuja mensagem deveria criar raízes no Brasil, estudou-se longamente na Comunidade, qual seria a maneira mais eficaz de implantá-lo na Região sob sua inspiração, onde fosse possível reunir os militantes das diversas doutrinas espiritualistas sob a bandeira da Era Nova, ampliando-lhes as perspectivas do entendimento em torno da vida e dos objetivos essenciais da existência humana em sua inexorável marcha para Deus.

Realmente, os resultados não podiam ser melhores, porquanto, nós próprios, que militáramos no Movimento Espírita nos anos praticamente ainda considerados como de pioneirismo, embora as dificuldades compreensíveis, não enfrentamos embates perversos, ficando as dissidências mais nos conteúdos teóricos e nas discussões filosóficas do que mesmo nas perseguições insanas e destruidoras, embora surgissem, vez que outra, promovidos por fanáticos e desorientados emocionais.

Recordava-me de como facilmente se integravam africanistas, católicos, esoteristas e outros que já possuíam tradição mediunista em razão dos fenômenos observados entre as multidões no Movimento Espírita, a fim de adquirirem os conhecimentos lógicos que o Espiritismo a todos nos oferece, para serem equacionadas as interrogações que pairavam nas mentes inquietas.

Estudiosos de outras doutrinas igualmente se interessavam por tomar conhecimento com O Consolador, aceitando-lhe os paradigmas com tranqüila compreensão da sua legitimidade e incorporando-os às suas convicções espiritualistas. Graças a essas providências, surgiu um caldo de cultura religiosa especial, no qual os seus membros se tratavam e ainda se relacionam com respeito e simpatia, nutrindo especial fraternidade e consideração.

Espíritos nobres, que vieram dessa Colônia, renasceram nessas plagas vinculados ao Espiritismo, que souberam difundir com elevação e dignidade, deixando pegadas luminosas, que serviram de roteiro para outros que viriam posteriormente, conforme sucedeu.

Concomitantemente, diversos sacerdotes do amor e da caridade reencarnaram-se também em outras doutrinas religiosas, a fim de combaterem a miséria moral e espiritual existente, trabalhando em favor da renovação social e da construção de uma mentalidade sem preconceitos nem espírito de sistemas.

Artistas de variados campos da beleza e da cultura igualmente foram encaminhados ao corpo físico, para contribuírem em favor da renovação do povo, no qual os descendentes dos africanos se tornaram maioria, para que igualmente oferecessem as mensagens ancestrais em forma de louvor à Vida e através dos seus sentimentos e saudades...

Não obstante, as heranças da escravidão negra, as arbitrariedades anteriores de governantes inescrupulosos e vândalos exploradores quão perversos oriundos do além-mar, que se estabeleceram na então colônia de Portugal sob o amparo de religiosos destituídos de dignidade cristã, geraram lamentáveis dívidas morais para expressiva multidão de vítimas, que reencarnaram e desencarnaram sob os camartelos do ódio e da vingança, da revolta surda e do desejo de revide pelo mal que padeceram.

Por outro lado, os testemunhos morais de antigos jesuítas abnegados como Manoel da Nóbrega, Aspicuelta Navarro e muitos outros, diminuíam na esfera espiritual inferior as refregas inglórias dos combates do desespero, facultando que incontáveis apóstolos do Bem viessem a operar no terreno da fraternidade, para dirimir e anular os efeitos nefastos dos renhidos desforços gerados pelo rancor e pela inferioridade moral que predominavam nos seus combatentes.

Seria de compreender-se que o clima psíquico, nesse campo de batalha, favorecesse a instalação de obsessões cruéis e renitentes, transformando-se em quase epidemias periódicas, que faziam sucumbir os invigilantes, sem que, ao menos, se dessem conta da própria responsabilidade no desfecho nefasto das suas empresas maléficas.

O Espiritismo, portanto, teria um papel de alta relevância a desempenhar nessa sociedade comprometida e assinalada pelos efeitos danosos das atitudes desvairadas, conforme vem ocorrendo com segurança, cumprindo a sua missão de Consolador prometido por Jesus.

A Comunidade espiritual, portanto, programara também o nascimento de inúmeras Instituições devotadas à sociedade sob a bandeira do Espiritismo Cristão, de forma que se transformassem em escolas de educação moral e espiritual, como também de oficinas promotoras de ações enobrecidas, tanto quanto se fizessem ambulatórios dedicados à saúde física, mental e comportamental que os desvarios obsessivos ultrajavam.

Vinculado a esses operários da fraternidade e do amor, mantínhamos pessoalmente ligações especiais com uma dessas Colméias Espíritas, onde milhares de pessoas encontram educação, apoio e socorro, conforto moral e orientação para as suas aflições, bem como instruções libertadoras para os dramas e conflitos que as desorientam.

Inúmeros trabalhadores da nossa Colônia reencarnaram-se especialmente para ali servirem sob a inspiração da mártir da Independência e do venerando Francisco de Assis. Nas suas reuniões práticas e de desobsessão recebem atendimento e são tratados inúmeros Espíritos comprometidos com a retaguarda e que antes se compraziam na tenaz perseguição avassaladora contra os seus antigos algozes.

O intercâmbio entre as duas Esferas, desse modo, tornou-se natural e espontâneo, graças às luzes fulgurantes da Doutrina Espírita, abrindo espaço para a Era do amor entre as criaturas.


Manoel Philomêno de Miranda

Divaldo Pereira Franco

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